Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima é homenageada com Prêmio Pablo Neruda de Direitos Humanos

Magistrada foi indicada pela vereadora Carol Dartora (PT) para receber a honraria concedida pelo Legislativo Municipal

A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu nesta quarta-feira (8) uma sessão solene para a entrega do Prêmio Pablo Neruda de Direitos Humanos. Por indicação da vereadora Carol Dartora (PT) a homenageada foi a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, Maria Aparecida Blanco de Lima. Outras 22 personalidades do município escolhidas por outros vereadores também foram agraciadas.

“É uma honra homenagear essa mulher negra que muito nos orgulha por sua luta e atuação na defesa dos direitos humanos e fundamentais relacionados à infância e juventude, raça, gênero, direito à moradia digna e participação na Comissão Estadual da Verdade, da Justiça e Memória Teresa Urban sobre as violações aos direitos humanos ocorridas no Estado do Paraná, durante a Ditadura Militar”, comentou Carol Dartora.

A magistrada também foi uma das autoridades fundamentais na articulação feita para a aprovação da lei de cotas para pessoas negras e indígenas nos concursos públicos de Curitiba, de autoria da vereadora Carol Dartora. Veja abaixo outras informações sobre a biografia da homenageada.

A premiação é entregue pela CMC desde 2004 – quando foi instituída pela lei municipal 11.258/2004, já revogada – e hoje está regulamentada pela lei complementar 109/2018. A honraria é destinada a pessoas físicas ou jurídicas não governamentais que tenham se destacado na luta pelo direito à liberdade ideológica, de credo religioso, de opinião, pela democracia e pela justiça social no Município de Curitiba.

Biografia

Maria Aparecida Blanco de Lima, atualmente desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, é natural de Campo Grande (MS), onde nasceu no dia 04 de fevereiro de 1950, filha de Maria Viegas dos Santos e Francisco Blanco. É casada com Paulo Rolando de Lima e tem dois filhos.

Cursou o ensino fundamental no Colégio Estadual Vespasiano Martins e o curso Técnico em Contabilidade no Colégio Oswaldo Cruz, no período noturno, pois já estava trabalhando para custear seus estudos e contribuir no orçamento doméstico. Como ainda não existia faculdade de Direito pública em Campo Grande, em 1971 ingressou no curso noturno de Direito da Faculdade Dom Bosco de Campo Grande e no ano seguinte transferiu-se para Curitiba (PR), onde matriculou-se no segundo ano do curso de Direito da Universidade Católica do Paraná e passou a residir no LAC – Lar da Acadêmica de Curitiba, uma entidade autônoma e autogerida que abrigava estudantes universitárias de baixa renda familiar.

Complementou sua formação acadêmica com especializações na área do Direito Administrativo e Constitucional, na Escola da Magistratura do Paraná, e em Sociologia Política, na Universidade Federal do Paraná.

Enquanto estudava, Maria Aparecida trabalhou por muito tempo na Secretaria de Relações Públicas e Imprensa da Prefeitura Municipal de Curitiba, de onde saiu logo após sua formatura, no final do ano de 1975. Iniciou sua atuação profissional em um Escritório de Advocacia e em seguida foi contratada por uma grande empresa comercial como Assessora Jurídica na qual prestou serviços até ser aprovada no concurso público para a Magistratura, em dezembro de 1980.

Assumiu o cargo de Juíza Substituta em 15 de dezembro de 1980, quando foi designada para a Seção Judiciária de Foz do Iguaçu, com a incumbência de suprir a eventual ausência dos titulares das Comarcas de Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Matelândia e Santa Helena. Em 29 de agosto de 1983 foi promovida para o cargo de Juíza de Direito para a Comarca de Guaraniaçu, de Entrância Inicial, na qual permaneceu até a nova promoção para a Comarca de Entrância Intermediária de Pato Branco, em 14 de setembro de 1987.

Nesta ocasião, Maria Aparecida assumiu a Vara de Família e Menores em um momento em que a cidade enfrentava situações preocupantes de crianças e adolescentes abandonados e envolvidos com práticas de delitos, muitas delas na esteira de uma onda migratória característica daquela década de 1980. Além do Município não possuir políticas públicas adequadas para atender e acolher estas crianças, adolescentes e suas famílias, o problema era tratado unicamente na esfera policial, a luz de uma legislação antiga e anacrônica que deixava espaços para ações e tratamentos preconceituosos, discriminatórios, violentos e abusivos por parte de agentes do Estado.

O Código de Menores, de 1979, manteve a mesma linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão da população infantojuvenil do documento de 1927 e, ao invés de legislar sobre todas as crianças e adolescentes, tratava apenas daqueles que fossem reconhecidos como em “situação irregular”. Seus dispositivos estabeleciam diretrizes diferentes para as crianças e adolescentes em função de seu status social e econômico, situação que levou a Promotora de Justiça Carla Carvalho Leite a comentar que no Código de Menores havia “uma clara distinção entre ‘criança’ e ‘menor’, considerando-se ‘criança’ o(a) filho(a) proveniente de família financeiramente abastada e ‘menor’ o(a) filho(a) de família pobre”.

No momento em que o país tentava recuperar o atraso legislativo que dava suporte à Ditadura Militar, ao ignorar as demandas oriundas dos avanços civilizatórios recentes, algumas pessoas da cidade de Pato Branco estavam envolvidas nos debates que questionavam a doutrina da situação irregular que tutelava a infância pobre. Com elas, Maria Aparecida, enquanto a nova Juíza de Família, juntou-se a um grupo de estudos sobre os temas que viriam a ser tratados no Estatuto da Criança e do Adolescente, procurando envolver autoridades e a comunidade local no sentido de que todos precisavam assumir responsabilidades no encaminhamento daquelas crianças e adolescentes.

Uma das primeiras medidas postas em prática por Maria Aparecida enquanto nova Juíza da Família foi conseguir a autorização da Direção do Fórum e da Prefeitura Municipal para destinar a residência tradicionalmente destinada ao Juíz para o abrigamento de crianças e adolescentes sem família. No exercício de suas atribuições, não eram raras as questões que exigiam gestões junto a autoridades, hospitais e escolas em busca de soluções emergenciais para problemas de saúde, segurança e moradia trazidos à apreciação da Justiça, principalmente por pessoas pobres e desempregadas.

Devido a nova promoção, em 11 de abril de 1991, Maria Aparecida assume a função de Juíza de Direito Substituta na Comarca de Entrância Intermediária de Londrina, de onde foi transferida para Curitiba em 13 de maio de 1993. Na capital paranaense, torna-se responsável pelo Setor de Infratores da Vara da Infância e da Juventude no momento em que era implantada a estrutura de atendimento integrado recomendada pelo art. 88, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Buscava-se a integração operacional de Órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência Social em um mesmo local, para agilizar o atendimento inicial ao adolescente a quem se atribuía autoria de ato infracional.

A proximidade física, além imprimir agilidade aos procedimentos, permitia que cada etapa fosse monitorada e acompanhada pelos responsáveis pelas demais e que em todo o processo as pessoas conseguissem atentar para a pessoa do adolescente e não apenas para o ato infracional, colocando-o no centro da preocupação das várias áreas (Delegacia, Ministério Público, Judiciário, Serviço Social e Internação), que de forma simultânea e efetiva poderão atendê-lo, juntamente com sua família, em suas necessidades e direitos fundamentais.

A fase inicial deste trabalho esbarrou em dificuldades relativas à capacitação e ao comprometimento dos servidores, especialmente aqueles muito acostumados com o viés punitivista e discriminador do Código de Menores e que demoravam a incorporar o sentido das medidas sócio educativas trazidas pelo ECA. Este momento também ajudou a escancarar a enorme desigualdade social e de acesso aos direitos fundamentais que condenavam a população mais pobre a condições de vida desumanas e roubavam da criança e do adolescente as chances de desenvolver suas potencialidades pela educação e pelo trabalho digno.

A parceria e a afinidade entre os operadores do Centro Integrado de Atendimento à Infância e Juventude conseguiu significativas melhorias no processo de apreensão, acolhimento e acompanhamento dos jovens infratores envolvidos em atos infracionais, mas a experiência demonstrou que a maioria destes jovens era vítima de uma ordem social que os excluía sistematicamente dos direitos fundamentais previstos na Constituição.

A preocupação com as violações aos direitos humanos incorporou-se gradativamente aos fundamentos e objetivos da atuação profissional de Maria Aparecida na Magistratura e como Cidadã, seja falando nos autos ou apoiando e participando de movimentos sociais pela igualdade racial e de gênero, pelo direito à moradia digna, ao trabalho decente, entre outros direitos humanos e fundamentais.

Após sua promoção para Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau, em março de 2002, atuou em diversas Câmaras Cíveis até ser promovida por merecimento ao cargo de Desembargadora em 12 de abril de 2007, passando a compor a 4ª Câmara Cível especializada em Direito Público e tratando frequentemente de casos de improbidade administrativa e matérias ligadas ao meio ambiente.

Como componente da Ouvidoria do Tribunal de Justiça colaborou na elaboração de normas e procedimentos que facilitam o acesso à Justiça e a denúncia de situações lesivas ou discriminatórias nos serviços do Judiciário, e na promoção de eventos de formação e esclarecimentos sobre racismo, misoginia e preconceitos voltados aos servidores, servidoras, magistradas, magistrados e ao público em geral.

Na Presidência da Comissão de Igualdade e Gênero, Maria Aparecida lidera um grupo de servidoras, servidores, magistradas e magistrados que vêm se dedicando a estudar, monitorar e propor ações concretas no sentido de combater as flagrantes desigualdades raciais e de gênero encontradas na composição do corpo funcional do TJPR e, também, as manifestações de racismo, machismo, misoginia e demais formas de discriminação e preconceito no ambiente de trabalho do Poder Judiciário e na sua prestação jurisdicional.

Com a criação da Comissão de Assuntos Fundiários, vem colaborando na mediação de processos de reintegração de posse em áreas rurais e urbanas, tanto no sentido de evitar despejos violentos quanto na busca de soluções negociadas que respeitem o direito ao trabalho, à moradia digna e a permanência dos ocupantes nas áreas em litígio.

Em abril de 2014 passou a integrar a Comissão Estadual da Verdade, Justiça e Memória Teresa Urban, participando dos levantamentos, pesquisas e audiências públicas que resgataram as graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o período de 1946 a 1988, especialmente pelos agentes da Ditadura no Estado do Paraná. Uma das iniciativas da Comissão foi a criação do LUME – Lugar de Memória Juiz Aldo Fernandes, localizado em uma sala do Centro Judiciário do Paraná, no prédio do antigo Presídio do Ahú, onde muitos presos políticos do Paraná e do Sul do País permaneceram durante a Ditadura Militar.

Após o encerramento das atividades da Comissão com a entrega do Relatório Final, Maria Aparecida participou da criação do Comitê de Memória, Justiça e Verdade, cujo objetivo é divulgar os achados da Comissão Estadual, dar andamento às suas recomendações e implementar iniciativas educacionais e culturais que informem a população, e em especial os estudantes, sobre as violações aos direitos humanos perpetradas pelo Estado Brasileiro que abalaram a democracia no passado e que não deverão se repetir jamais.