Gestão Greca obriga grávidas e crianças indígenas a continuar dormindo nas ruas de Curitiba

Prefeitura se recusa a atender especificidades dos povos originários; presidente da FAS deixou autoridades reunidas no TJ-PR aguardando horas, sem resposta

O comportamento da Prefeitura de Curitiba em uma reunião no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) pela reabertura da Casa de Passagem Indígena (Capai), realizada na tarde desta quinta-feira (16), evidenciou o descaso e a falta de respeito da gestão Rafael Greca (DEM) com a população indígena e autoridades dos diversos poderes envolvidas na busca de uma solução para o problema.

A vereadora Carol Dartora (PT) participou representando a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Municipal de Curitiba e apresentou um ofício que foi encaminhado ao prefeito. O documento pede a reabertura imediata da Capai.

Caso não seja possível, a CDH reivindica que seja providenciado imediatamente um imóvel público na região central para acolhimento dos indígenas, alimentação, data para reabertura definitiva da Casa Indígena e um cronograma de ações para implantação de políticas públicas permanentes.

A indígena da etnia kaingang e vice-presidente do Conselho Nacional das Mulheres Indígenas, Jovina Renhga, criticou a omissão da gestão municipal. Ela comentou que Curitiba possui vários equipamentos públicos em homenagem a povos estrangeiros, mas não acolhe nem respeita os povos indígenas.

“Para nós, que somos povos originários desta terra e acolhemos todos os outros povos, hoje somos discriminados. Nós queremos uma casa (de passagem) não é pra hoje, é pra ontem. Essa discriminação tem que acabar,” desabafou.

A audiência de mediação foi organizada pelo Observatório de Direitos Humanos do TJ-PR e contou com a presença de lideranças indígenas, juízes, desembargadores, promotores e procuradores do Ministério Público, Assembleia Legislativa (Alep), representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do governo do Paraná, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conselhos estaduais de Assistência Social e de Direitos da Criança e Adolescente, Defensoria Pública do Paraná, representantes da Prefeitura de Curitiba e outras instituições.

Após as explanação de todas as partes, a juíza Fabiane Pieruccini, que estava coordenando os trabalhos, formulou uma proposta e suspendeu a reunião para aguardar a participação do presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Fabiano Vilaruel, por meio de videoconferência ou contato telefônico, para dar uma resposta. Após mais de uma hora e meia de espera, sem nenhum retorno, a magistrada encerrou a reunião sem obter uma proposta por parte do município.

“Isso é um descaso, é um absurdo. É mais uma vez a Prefeitura de Curitiba mostrando o quanto é higienista, o quanto não está nem aí para a vida das pessoas. O município de Curitiba é totalmente irresponsável, ausente, na figura do prefeito Rafael Greca”, disse Carol Dartora.

O deputado estadual, Goura Nataraj (PDT), que participou representando a Comissão de Direitos Humanos da Alep, também manifestou insatisfação com a gestão do município. “Descaso sem fim. Saímos da reunião sem nenhuma proposta ou solução da Prefeitura de Curitiba. É vergonhoso e desumano o que Rafael Greca está fazendo”, comentou.

Crianças estão com medo da FAS

Há cerca de três semanas, mais de 30 indígenas, incluindo mulheres grávidas, idosas e crianças estão sendo obrigadas a dormir nas ruas da capital paranaense porque o município fechou a Casa Indígena, em março de 2020, devido à pandemia da Covid-19, e até o momento não reabriu o equipamento.

A migração temporária dos indígenas faz parte da cultura dos povos originários e ainda tem caráter de subsistência, através da venda de artefatos artesanais produzidos por eles e comercializados na região central da cidade.

De acordo com relatos dos indígenas e organizações que acompanham a situação, as primeiras abordagens realizadas pela Fundação de Ação Social ameaçaram retirar as crianças indígenas da tutela de suas mães, em uma tentativa de forçar o retorno dos povos originários para suas aldeias.

Com a repercussão negativa, a FAS ofereceu a mesma política disponível para as pessoas em situação de rua, medida que separa as famílias indígenas em hotéis sociais pela cidade e não atendem às especificidades e a cultura dos indígenas.

“Só de falar em FAS as crianças ficam com medo” , relatou a indígena da etnia kaingang, Francisca Luiz. Ela explicou que não aceitam a proposta da FAS porque, além de separar as famílias, o local não possui condições para que produzam seus artefatos.

Eles reivindicam um espaço que permita que todos fiquem juntos, que tenha cozinha e atendimento de saúde, pois no grupo que está na cidade há mulheres em estágio de gravidez avançado, próximo de dar à luz.

R$ 800 mil parados na conta da Prefeitura

Para o procurador do MP, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Proteção aos Direitos Humanos, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, a proposta da FAS é para não dar certo, pois não considera as questões culturais. “Precisamos considerar as especificidades dos povos indígenas. É um direito (da população indígena) ser acolhida, não um favor”, disse.

O promotor de justiça de Proteção aos Direitos Humanos de Curitiba, Odoné Serrano Júnior, manifestou desconforto com a intransigência do município. Segundo ele, o presidente da FAS havia se comprometido com o Ministério Público em oferecer acolhimento sem a separação das famílias. Ele classificou esse retrocesso como uma atitude “desleal” e de “má fé”.

Outra informação importante foi revelada durante a reunião pela representante do governo do Paraná e presidente do Conselho Estadual da Assistência Social, Larissa Marsolik. Segundo a servidora, a prefeitura de Curitiba teria R$ 800 mil parados em conta e que poderiam ser utilizados no atendimento emergencial das demandas dos povos indígenas. Os recursos teriam sido repassados pelo governo estadual.

Apesar da reunião não ter alcançado um retorno positivo por parte da Prefeitura da capital, as autoridades saíram da reunião manifestando a continuidade de ações para exigir do município o atendimento aos povos indígenas.

Cobrança

Devido a falta de interesse do município em resolver o problema, a vereadora Carol Dartora (PT) encaminhou no último sábado (11) ofício às defensorias públicas do Estado e da União solicitando atuação no caso.

No documento, Dartora justifica o pedido por entender que está ocorrendo “grave violação aos direitos humanos constitucionalmente garantidos aos povos e comunidades tradicionais”. Para a vereadora, a situação é urgente e necessita de uma atuação mais enérgica do sistema de justiça na garantia desses direitos.

Em março, Carol Dartora (PT), Professora Josete (PT), Renato Freitas (PT), Dalton Borba (PDT), Maria Leticia (PV) e Marcos Vieira (PDT) questionaram o Executivo sobre as políticas públicas para a população indígena, inclusive quando a Capai seria reaberta. Através de ofício, a FAS culpou a pandemia e respondeu que não havia previsão.

Em agosto, Carol Dartora participou de uma reunião com a Superintendência de Diálogo e Interação Social do Paraná (Sudis-PR) em que a pauta era justamente a reabertura da Casa de Passagem Indígena em Curitiba.

Na ocasião estavam presentes vereadoras, deputadas estaduais, Assessoria de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e o Ministério Público do Paraná e houve o compromisso de articulação com a Prefeitura de Curitiba para a reativação da Casa de Passagem.

Capai

A Capai foi inaugurada em janeiro de 2015, como um espaço destinado ao acolhimento das famílias indígenas que transitam entre suas aldeias e a cidade de Curitiba para a venda de produtos artesanais. Mas o local foi fechado em março de 2020 devido a pandemia da Covid-19.

Com o avanço da vacinação e a redução dos casos e mortes provocados pelo novo coronavírus, os indígenas retornaram à cidade para a comercialização de artesanatos, porém não têm recebido acolhimento no município.

Em julho deste ano, o Ministério Público do Paraná (MPPR) expediu recomendação administrativa para que fosse providenciada de forma imediata um imóvel que pudesse reativar os serviços prestados pela Casa de Passagem Indígena, porém até o momento nada foi feito pela prefeitura.